Inteligência artesanal: o ponto de equilíbrio entre criatividade humana e tecnologia

Um novo embate contrapõe a capacidade humana à inteligência artificial. E, nesse jogo, o trunfo está na inteligência artesanal

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Por EMANUEL NEVES
02/04/2023

Quando você terminar de ler esta frase, cerca de 1,2 mil vídeos terão sido postados no TikTok. São 300 uploads por segundo, em média.

O fluxo incessante também dá o tom nas demais plataformas. YouTube, Instagram, Medium: a humanidade gera muito mais conteúdo do que pode absorver. A consequência é uma guerra pela atenção do público, travada por marcas e creators em cada trincheira da web.

O crescimento da inteligência artificial (popularmente conhecida pela sigla IA) agrega novos elementos a esse fogo cruzado. As ferramentas generativas atalham processos e abrem quase infinitas possibilidades. Mas também tornam a enxurrada de informações descartáveis ainda mais caudalosa. Tirar o melhor dessa inovação exige um mindset estratégico por parte dos profissionais de criação.

Em julho de 2023, por exemplo, o americano Tim Boucher ganhou destaque na Newsweek em razão de sua prolífica obra de ficção científica. Ele escreveu quase 100 minirromances em nove meses, usando ChatGPT e Midjourney para gerar textos e ilustrações.

Se mantiver o fôlego, Boucher levará apenas dois anos para ultrapassar o número de títulos engendrados pela imaginação de Isaac Asimov, o gênio mais produtivo desse estilo literário. A bibliografia do escritor russo-americano tem mais de 400 livros e demandou quatro décadas de sua vida.

Qual conteúdo tem mais valor: um e-book de Boucher ou um clássico de Asimov? Depende do seu objetivo de marketing

Inteligência artesanal: o melhor dos dois mundos

A dicotomia entre analógico e digital já foi suprimida. Hoje, nada mais é 100% offline. O novo embate contrapõe a capacidade humana à inteligência artificial. Nesse jogo, o trunfo está na inteligência artesanal – a habilidade criativa de moldar realidades. Uma prerrogativa que, ao menos por ora, as máquinas não possuem.

O futuro da inteligência artificial é o próximo minuto. Caminha junto com o nosso tempo e será aquilo que formos capazes de fazer dele. A comunicação e o trabalho criativo foram os primeiros desafiados por essa disrupção. Não à toa, estão entre as mentes mais envolvidas em esculpir as sinapses na vanguarda dos infocérebros.

É o caso de Tim Boucher: suas histórias são curtas, com 4 mil palavras e cerca de 100 ilustrações. Algo diagramável em 30 slides. Como comparação, Asimov ocupa mil páginas para contar a Trilogia da Fundação, considerada sua obra-prima.

Boucher e seus robôs líricos oferecem pílulas de fantasia a 3 dólares cada, com o intuito de saciar a sede literária de leitores frugais. Já a carpintaria biônica de Asimov tende a ganhar a eternidade. Talvez, você não precise que os conteúdos da sua marca durem tanto tempo assim. Mas a relevância deles é um marcador fundamental.

De modo simbólico, a balança do marketing de conteúdo oscila entre esses dois extremos: o consumo rápido e a profundidade.

O prato da instantaneidade pesa cada vez mais. Ali, descansam estratégias pautadas pelo volume, cuja missão é captar o público no ato – já há 24 mil novos vídeos curtos no TikTok desde que você leu a primeira linha deste texto.

Mas a necessidade de solidez ainda consegue equilibrar o jogo. Isso porque os próprios algoritmos, mediadores desse cabo de guerra, começam a privilegiar o lado artesanal da força. Daí a importância da inteligência artesanal.

Filtro de qualidade

Um update do Google, divulgado em março de 2024, acenou para mudanças nas regras de SEO. Conteúdos rasos e repetitivos, que carregam a mão no uso de IA, devem cair para a rabeira do ranqueamento.

Os mecanismos de busca vão dar holofotes a materiais exclusivos e capazes de responder a questionamentos do modo mais eficaz e completo possível. Montanhas de redundâncias paridas por prompts em meia dúzia de segundos não devem funcionar para colocar sua marca em destaque.

Ou seja, a qualidade é a chave. E a produção de conteúdo, mesmo erigida por neurônios digitais, ainda precisará ser burilada pelo cinzel da criatividade humana.

Na verdade, é isso o que Tim Boucher faz. Ele se considera um artista de IA. Suas obras não são isoladas: guardam diversas conexões entre si. Encadeiam-se em uma teia narrativa desenhada em sua mente – e costurada por mãos robóticas. Tanto que a maior parte de seus compradores são recorrentes.

Boucher colocou a IA no lugar certo: a serviço de sua inventividade. E virou notícia no mundo todo. Em algum lugar insabível, Asimov deve estar aplaudindo.

Este texto foi originalmente publicado em travessIA, uma publicação da República com insights de conteúdo para um mundo em transformação.

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