4 mestres que vão ajudar a destravar o seu texto

Por EMANUEL NEVES
16/09/2023

O ritmo ágil do consumo de conteúdo e a imposição da performance estão criando um novo tipo de jornalismo, cada vez mais prático e funcional. Em meio à batalha pelo rankeamento, o texto de qualidade perdeu seu espaço? A República tem certeza que não

Sempre haverá lugar para o encantamento. Por isso, continua sendo vital entender do que são feitas as boas histórias. E, com todo respeito ao ChatGPT, quem sabe escrevê-las ainda somos nós – os humanos, ridículos e limitados. Nenhum robô do Vale do Silício vai nos ensinar como engendrar uma narrativa interessante. 

Esse papel cabe aos mestres que nos legaram uma eternidade de lições sobre imaginação e estilo. É com eles que devemos nos socorrer nestes tempos estranhos para quem lida com a palavra. Primeiro, precisamos conhecê-los. Depois, submergir em suas obras. Não mais como meros leitores frugais, e sim com olhos ávidos de aprendizes. Só esse escrutínio nos permitirá decifrar seus feitiços e artimanhas. 

Aqui estão quatro (dos muitos) mentores obrigatórios a quem pretende se aventurar pela seara do vernáculo. É só seguir em frente. 

Gorduras e derramamentos: a concisão de Graciliano Ramos

“O artigo que me pediram afasta-se do papel. É verdade que tenho o cigarro e tenho o álcool, mas quando bebo demais ou fumo demais, a minha tristeza cresce. Tristeza e raiva.”

 Angústia (1936)

Graciliano escrevia de forma seca, qual o chão árido do agreste alagoano onde nasceu. Era duro e profundo ao criticar as chagas de seu tempo. Usava frases curtas. Escassos adjetivos. Limava advérbios. Cortava dois terços de suas primeiras versões: “Odeio gorduras desnecessárias e derramamentos insuportáveis”. O velho Graça nos ensina a lançar mão de pouco para dizer muito. 

Graciliano Ramos: um dos mestres que podem te ajudar a destravar o texto. Crédito: reprodução.

Duas gotas de dendê: o molho de Jorge Amado 

“Não era possível, a um homem só, dormir com todas as mulheres do mundo. Mas devia-se fazer esforço para consegui-lo, assim ensinavam no cais os velhos marinheiros.”

Os Pastores da Noite (1964)

Sem o mínimo de safadeza, não se faz um bom texto – nem se vive do jeito certo. E poucos tiveram tanta manemolência quanto Jorge Amado. Era um Caymmi que batia à máquina. O bom baiano indica o caminho mais saboroso para escrever de modo atraente: beba das coisas da sua gente, encontre o traço pitoresco de seu objeto, filtre-o e leve à página. Essa estética particular confere autenticidade ao texto. 

Esgarce os limites da palavra: o infinito em Guimarães Rosa

“Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.”

Grande Sertão: Veredas (1956)

Em nossa vida comezinha de juntadores de letras, jamais reproduziremos algo próximo do que fez João Guimarães Rosa. Mas podemos degustá-lo, podemos nos perder nele. As digressões do jagunço Riobaldo levam o leitor a uma toca de coelho onde a linguagem se revira do avesso e em muitos outros rumos. Você não volta igual dessa travessia. Se é que retorna. Afinal, o sertão fica dentro da gente. Lá, é tudo um não saber. 

Tijolo com tijolo: os círculos mágicos de Chico Buarque

“Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro”

Construção (1971)

Há meio século de teses sobre Construção, tamanha a sua riqueza de sentidos. Da base ao topo, as proparoxítonas de Chico conduzem um jogo subversivo que ascende em espiral. E ecoa a crítica social de Graciliano, o popular de Amado, o caleidoscópio de Rosa. O mesmo redemoinho, menos denso e mais irônico, está em Vai trabalhar, vagabundo. Chico é o mundo. Abra uma cerveja e leia no Spotify.