Valor de marca: o elo invisível entre empresas e clientes

O conceito de valor de marca é essencial para conectar empresas, produtos e serviços aos seus públicos. Mas de onde vem essa percepção?

O conceito de valor de marca é essencial para conectar empresas, produtos e serviços aos seus públicos. Mas de onde vem essa percepção? (Arte: Juliano Guedes)


Por DOUGLAS CECONELLO e RICARDO LACERDA
02/04/2025

Você certamente já parou para pen­sar por que muitas vezes um produ­to é bem mais caro do que o outro, sendo que os dois têm funcionali­dades e atributos técnicos pratica­mente iguais. Pagar pela marca é uma expressão que provavelmente nasceu com a própria publicida­de, mas não raramente é usada de maneira pejorativa, o que ignora al­gumas questões fundamentais da própria psicologia humana.

O conceito de valor de marca, também chamado de brand equity, determina um diferencial a produ­tos e serviços. Até mesmo a uma ideia. Trata-se de um valor abstra­to, vinculado à imagem da marca, ao seu posicionamento e à maneira como ela é percebida.

Ou seja, não se refere ao custo de produção e comercialização efetivo, mas a fa­tores intangíveis. É algo comumen­te visto no mercado da moda, que pode apresentar duas peças de mesma qualidade, feitas com ma­téria-prima idêntica, mas com dife­renças enormes de preço.

São fatores abstratos que aju­dam a diferenciar a percepção de preço e de valor. Enquanto a avalia­ção do preço está ligada pura e sim­plesmente à questão monetária, a percepção de valor considera quali­dades e benefícios mais complexos e subjetivos.

Mas, como num círculo virtuoso, geralmente as empre­sas com maior valor de marca são também aquelas que mais valem em termos financeiros.

Prova disso está no ranking global das empre­sas mais valiosas em 2023, divul­gado pela consultoria Interbrand: Apple, Microsoft e Amazon ocupam os três primeiros lugares – as mes­mas posições da edição anterior. Apesar de serem big techs, o princi­pal motivo para despontarem como as mais valiosas não é exatamente a tecnologia, mas sua aplicação no sentido de ajudar a criar vínculos humanos.

“Um ponto importante sobre valor de marca diz respeito ao pro­pósito que ela carrega – que é algo pouco tangível. Marcas super visio­nárias costumam ter essa percep­ção”, explica Maura Ferreira, profes­sora e pesquisadora em Marketing no Insper e membro da Association for Consumer Research (ACR), or­ganização internacional que tem como objetivo estudar os compor­tamentos, necessidades e atitudes dos consumidores.

Esse valor agregado pelo qual os consumidores pagam está vin­culado a aspectos como: pertencer a um determinado grupo; dar vazão a ambições; ou mesmo alimentar as­pirações que as marcas represen­tam. Porque às vezes – na maioria das vezes, diga-se – um iPhone não é apenas um celular, diria Sigmund Freud.

BRAND LOVERS

Há inúmeros casos em que a rela­ção evolui para uma conexão pro­funda com as marcas, na qual o consumidor procura se sentir parte delas. É neste ponto do relaciona­mento que surgem os brand lovers.

Os “amantes da marca” estão um passo adiante neste vínculo emo­cional. Eles realmente amam mui­to tudo isso: não apenas preferem uma marca em relação às demais, mas se identificam com a missão, os valores e a personalidade dela. Tor­nam-se embaixadores informais do produto, defendendo e recomen­dando a marca espontaneamente.

Na opinião de Taíse Kodama, partner e head de Design & Digital do Gad’, consultoria de marca com foco em estratégia, design e ex­periência, é promissor pensar em brand lovers. Entretanto, mais do que amar as marcas, as pessoas amam experiências positivas e sur­preendentes. Ou apenas eficien­tes, em alguns momentos.

“Para se conectar emocionalmente e com recorrência, as marcas precisam descer dos pedestais e entender qual experiência estão entregando na ponta, que valor elas geram aos seus consumidores. Mais do que o conceitual, as pessoas querem ex­celentes experiências.”

Quando se trata de brand lovers, é impossível não pensar imediata­mente na Apple, talvez o maior caso de crescimento de valor de marca desde o lançamento do primeiro iPhone, em 2007.

Os consumidores fiéis da Apple são um caso de de­voção que muitas vezes extrapola o ambiente digital – como provam as imensas filas formadas a cada lançamento. Esses fãs ardorosos não estão lá apenas para comprar um smartphone, um tablet ou um computador; eles querem participar de uma experiência, fazer parte de uma comunidade e deixar explícita a sua relação com uma marca liga­da à sua personalidade.

Para Jaime Troiano, um dos maiores especia­listas no tema no Brasil, as marcas mais valiosas criam uma identidade emocional e simbólica com seg­mentos de consumidores que se envolvem com elas. “É no plano da intensidade dessa relação muito in­tangível que se aloja e se constrói a força e o valor das marcas no mun­do contemporâneo”, explica ele, que é fundador e presidente do Conse­lho Consultivo da TroianoBranding.

De volta para casa, os brand lo­vers fazem questão de demonstrar seu orgulho e comprometimento. Como? Compartilhando experiên­cias nas redes sociais. Assim, eles ajudam a marca com um marketing genuíno, muito mais valioso que os antiquados publieditoriais – estu­dos mostram que as pessoas são muito mais impactadas por indica­ções de amigos e conhecidos do que por publicações patrocinadas pelas próprias empresas. 

PEQUENAS EMPRESAS, GRANDES AMORES

Alcançar um valor de marca sóli­do e uma relação fiel com a comuni­dade de clientes não é privilégio das gigantes. Segundo Troiano, é um equívoco imaginar que o processo de construção e gestão de marcas só tem êxito se houver investimen­to pesado em comunicação.

“Con­tra isso, eu sempre argumento, na mesma linha de profissionais insus­peitos como o inspirador David Aak­der [célebre professor de Marketing na Universidade da Califórnia], que o principal recurso de comunicação das marcas é a soma e a sinergia de todos os pontos de contato com o mercado.”

E são muitos os compo­nentes deste universo que preci­sam estar em harmonia para refletir a personalidade da marca: as em­balagens, o uniforme dos colabo­radores, a música que se escuta no atendimento pelo telefone, o aroma sentido nas lojas. Tudo precisa ser encarado como formas de se per­ceber e assimilar a marca.

No Brasil, pequenos e médios negócios conseguem estabele­cer diretrizes bem-sucedidas de marketing para cativar seus consu­midores.

A Amma Chocolate Orgâ­nico, de Salvador (BA), nasceu com a missão de valorizar o cacau na­cional, obtendo sua matéria-prima de pequenos agricultores. Com em­balagens que destacam elementos da cultura brasileira e uma comuni­cação focada na sustentabilidade, ganhou uma base leal de consumi­dores ao se posicionar como uma marca premium com consciência, que atrai um público que valoriza tanto a qualidade quanto o impac­to social e ambiental.

“Para se criar uma marca consistente, é impor­tante que a essência dela esteja alinhada com a sua verdade, e não com modismos contextuais. É fun­damental que a estratégia de marca seja construída alinhada à estraté­gia de negócio”, avalia Kodama.

Há 12 anos atuando no merca­do com marca própria, a St. Trois é especializada na produção de moda em couro de cabra, couro de cobra python e peles naturais. A empresa traz em sua trajetória a expertise conquistada há três décadas e meia pela família Trois, que se dedicou à criação de moda em couro para private label de grifes nacionais.

“A qualidade das peças e a busca pela perfeição no acabamento são jus­tamente resultados do know-how adquirido durante todo esse perío­do”, explica Gabriela Schaffer Trois, sócia e diretora criativa da empre­sa. A marca prima por peças feitas à mão, produzidas artesanalmen­te no St. Trois Lab, laboratório de inovação e inspeção de qualidade da marca, localizado na Maison St. Trois, em Porto Alegre (RS).

Ao adotar a excelência e a be­leza como valores indissociáveis, a St. Trois tem como base um tripé conceitual: práticas sustentáveis, impacto social e reverência às ori­gens.

A relação construída com as clientes é alicerçada na proximi­dade e no cuidado, o que cria uma experiência que vai muito além da compra. “Desde o primeiro contato, a empresa se dedica a entender as preferências e os desejos de suas clientes, oferecendo atendimento personalizado e amistoso. O com­promisso com a individualidade e a escuta ativa fazem com que cada uma delas se sinta única e valoriza­da, gerando uma conexão genuína com a marca”, diz Gabriela.

A St. Trois promove encontros e eventos que fortalecem esse senso de pertencimento, criando momen­tos de troca de experiências e cele­brações. Além disso, a equipe busca conhecer cada cliente pelo nome e valorizar suas histórias. Assim, con­segue fazer da compra uma vivên­cia emocional única – a ideia é que cada cliente encontre não apenas um estilo, mas também a valoriza­ção da sua própria identidade.

PERSONALIDADE FORTE

Oferecer qualidade é o primeiro passo, mas o trajeto até a conso­lidação do valor de marca é longo. Afinal, não há como despertar o amor incondicional se a marca não tem uma personalidade bem defi­nida.

Basta fazer um teste. Quando você enxerga o logo da maçã mor­dida, logo lembra da Apple. Assim como a estrela de três pontas fa­cilmente remete à Mercedes-Benz. Essas associações imediatas são alguns dos reflexos mais nítidos de marcas que carregam personalida­des únicas.

No Rock in Rio 2024, a Gerdau realizou uma ativação de marca divulgando que o Palco Mundo – o maior da história do festival – era feito com cerca de 200 toneladas de aço 100% reciclável da empresa.

“É um reforço de marca tremendo, que atinge outro público que não é aquele da construção. Aliás, esse não é um investimento que gera re­sultado no curto prazo. As marcas devem entender isso”, analisa Fer­reira, do Insper.

Um bom exemplo de consoli­dação da relação com os consumi­dores no modelo B2B – quando os clientes também são empresas – é o Grupo Imobi, que oferece solu­ções em mídia externa. No caso, os clientes da Imobi buscam formas de criar vínculos e impactar seus próprios públicos.

“Nosso portfólio é robusto e diversificado de meios e formatos, oferecendo soluções que integram produtos estáticos e digitais, garantindo uma presen­ça abrangente e impactante para os clientes”, explica Daniel Costa, sócio-fundador. A Imobi tem como objetivo comunicar, mas também contribuir para o desenvolvimento das cidades, ao conectar marcas com os seus consumidores.

Fundado em Porto Alegre, em 2005, o Grupo Imobi se desta­ca em mídia OOH (out of home) e DOOH (digital out of home). Um dos diferenciais da empresa está na capacidade de ativar campa­nhas altamente personalizadas. A abordagem permite maximizar os resultados e estabelecer conexões legítimas.

“Nosso propósito é trans­formar positivamente as cidades, promovendo mais beleza e conec­tividade. A equipe se dedica a criar espaços urbanos mais vibrantes e informativos.” Os produtos da Imobi exploram desde abrigos de ônibus e placas de esquina até caminhões de LED e empenas 3D altamente tecnológicas.

MIOPIA EM MARKETING

Pouco importa o perfil da organiza­ção: toda estratégia de marketing precisa investigar o consumidor. Ao analisar profundamente o compor­tamento do público, é possível sa­ber o que o motiva a pagar por um produto ou serviço.

Na base desta equação está sempre uma neces­sidade, que pode se manifestar de diversas maneiras. Entre elas, a re­solução de um problema prático ou a ambição por status, apenas para citar dois exemplos. Em um artigo clássico de 1960, Theodore Levitt estabeleceu o conceito de “miopia em marketing”. Conforme o autor, as empresas erram ao colocar total atenção nos seus produtos, em vez de tentar compreender as necessi­dades e desejos dos clientes.

Essa visão curta acontece quando as empresas olham ape­nas para os objetos vendidos e não atentam à função que o produto exerce na vida das pessoas. Basta lembrar que os consumidores não querem uma furadeira, mas sim um buraco na parede – ou seja, a solução.

Entra em cena o conceito conhecido como Jobs to be done (“Trabalhos a serem feitos”), que aprofunda a necessidade de co­nhecer a mente do consumidor. A concepção ultrapassa a funcionali­dade dos produtos para acrescen­tar aspectos emocionais e sociais.

Esse “job” a ser realizado pode ser prático ou aspiracional. Uma pes­soa que compra joias, por exemplo, no fundo talvez queira apenas se sentir mais confiante na vida profis­sional. A assimilação deste concei­to é capaz de mudar a abordagem de marketing – enfatizando carac­terísticas do produto que possam resolver os “trabalhos” do consumi­ dor. Como alguém que pede comida por delivery porque não quer lavar a louça.

A abordagem Jobs to be done se popularizou após um estudo re­alizado por Clayton Christensen, professor de Administração na Harvard Business School. Ele usou o case dos milk-shakes do McDo­nald’s para mostrar como os con­sumidores compram produtos para cumprir tarefas em suas rotinas.

A equipe de Christensen descobriu que os clientes compravam o pro­duto preferencialmente pela ma­nhã, enquanto dirigiam ao trabalho, na tentativa de tornar o trajeto mais agradável e consumir algo que pu­desse sustentá-los até o almoço. Estas eram as principais “tarefas” do milk-shake.

As descobertas foram usadas pelo McDonald’s, que aprimorou a consistência dos milk-shakes para durarem mais tempo na viagem, adicionando pedaços de frutas, de modo a torná-los mais nutritivo. O estudo virou um clássico do marke­ting, deixando claro o poder de assi­milar as necessidades dos clientes para criar soluções personalizadas.

HISTÓRIAS PARA LEMBRAR

Uma vez que a personalidade da marca estiver consolidada, um ou­tro desafio entra em cena: compar­tilhar seu propósito. É aí que surge a importância do storytelling, téc­nica cujo objetivo é transmitir uma mensagem de maneira memorável, criando forte conexão emocional com o público.

O storytelling vai muito além de narrativas que pro­movam produtos ou serviços: é a busca por um vínculo poderoso e duradouro com o consumidor. A forma como as histórias são con­tadas deve refletir a visão de mun­do da marca e alcançar emoções profundas do público, criando uma relação que transcende a questão comercial.

Oferecer conteúdo genuíno é a forma mais eficiente de criar cone­xões. O clássico slogan da Nike, Just do it (“Apenas faça”), é um caso in­discutível de sucesso para trans­mitir a mensagem de superação e determinação, falando diretamente com as emoções do público volta­do ao esporte. Como um desdobra­mento deste conceito, em 2012 a Nike lançou a campanha Find your greatness (“Encontre a sua grande­za”), valorizando o esforço de atle­tas amadores, que superam limi­tações físicas e outros obstáculos pelo prazer de praticar um esporte.

Segundo Taíse Kodama, do Gad´, para gerar conexões verdadeiras, não basta contar as histórias: é ne­cessário olhar antes para o story­doing – ou seja, a forma como essas empresas constroem suas próprias histórias.

“Antes de criar uma nar­rativa, precisamos olhar para o le­gado, a história e, principalmente, para o agora: o que as marcas estão fazendo, quais experiências estão proporcionando aos seus consu­midores, parceiros e colaboradores que mereçam ser transformadas em algo a ser contado e comparti­lhado.”

É o caso das empresas que ado­tam o conjunto de práticas ESG (ambiental, social e governança), algo que se tornou, inclusive, um atrativo para investidores e públicos dispostos a apoiar quem contribui para um mundo mais justo e igual.

Estudos mostram que é muito mais caro conquistar um novo cliente do que manter um atual. Sob a ótica da construção do valor de marca, possibilitar uma experiência praze­rosa em todos os pontos da relação é fundamental: pré-venda, venda e pós-venda precisam ser encarados como um processo único, que tem a função de cativar e fidelizar.

O ca­minho percorrido pelo cliente desde o momento em que ele identifica uma necessidade até a realização da compra é conhecido como jor­nada do consumidor. Qual um herói mitológico do cotidiano, ele enfren­ta algumas etapas: aprendizado e descoberta, reconhecimento do problema, consideração da solução e decisão de compra.

O conhecimento minucioso destas fases permite direcionar as estratégias de marketing e atendi­mento. Mas é no pós-venda que a conexão se estabelece, quando se consolida a relação de confiança iniciada na compra: a etapa é cru­cial para converter os clientes em defensores da marca e transformar uma mera compra em casamento feliz.

E nem sempre é necessário lançar mão de grandes gestos como eventos e incentivos exclusivos para converter o consumidor em brand lover. Às vezes, iniciativas simples fa­zem uma enorme diferença. É o caso do Nubank, que costumava enviar bilhetes personalizados a novos usu­ários. Este singelo mimo se reverteu em milhares de posts nas redes so­ciais.

MARCAS TAMBÉM SÃO PESSOAS

“Sua marca pessoal é o que as pes­soas dizem sobre você quando você não está na sala.” A frase de Jeff Be­zos, fundador e ex-CEO da Amazon, mostra bem a importância do perso­nal branding. Para alcançar o binô­mio reputação e autoridade – fatores intrínsecos ao valor de marca –, é fundamental humanizá-la.

“É preciso deixar de lado a ingênua pretensão de supor que o poder da marca está concentrado na sua expressão grá­fica, em seu logo, suas cores e for­mas”, avalia Troiano. Nesse aspecto, a construção do branding pessoal, dando visibilidade às pessoas que fazem aquela marca no dia a dia, é decisiva para estabelecer conexões autênticas com o mercado. Especial­mente nos modelos de negócio em que os clientes são outras empresas.

No branding pessoal, são trans­mitidos valores que autorizam de­terminada pessoa a se posicionar como representante daquela marca. Nesse sentido, há casos muito bem­-sucedidos, como Steve Jobs, com a Apple, Bill Gates, com a Microsoft, e Luiza Helena Trajano, com o Magazi­ne Luiza.

O branding pessoal é mui­to diferente do que se convencionou chamar de marketing pessoal: aquele indivíduo representa a forma como a empresa se apresenta e quer ser percebida pelo mercado. Esta cons­trução é, ao fim e ao cabo, uma ma­neira de humanizar a imagem que se pretende transmitir. É dar um rosto à sua personalidade e, ao mesmo tem­po, um enorme passo para consolidar o tão desejado valor de marca.


P.s.: Esta reportagem foi originalmente publicada na 1ª edição da revista Business Talks, com o título “O elo perdido”. A revista é um projeto da Fernandes Machado Business Law. A produção, a edição e a arte da revista é da República – Agência de Conteúdo.