Por DANIEL SANES
20/01/2025
As listas estão sempre em alta. Volta e meia, quando acessamos as redes sociais, blogs ou os portais de notícias, nos deparamos com listas e recomendações culturais – sobre discos, filmes, restaurantes, destinos e, também, livros.
No coração dos jornalistas, as listas sempre tiveram um lugar especial. Listar, mesmo que mentalmente, as melhores obras de um determinado estilo ou segmento é quase uma compulsão para a maioria dos profissionais da área.
Mas e quando o tema é o próprio jornalismo – no caso, os 5 livros que todo jornalista deveria ler? É difícil fechar uma lista sem deixar algo importante de fora. Para simplificar, resolvi adotar certos critérios.
Primeiro: escolhi apenas obras brasileiras. Assim, ficaram de fora nomes fundamentais do jornalismo, como Gay Talese e Truman Capote – provavelmente eles entram em uma próxima.
Segundo: sem biografias. Ou seja, a lista não conta com obras-primas como Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais, nem Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro.
E, por fim, o último critério: os livros devem ser interessantes também para não-jornalistas. Então, por mais relevantes que sejam, optei por não incluir manuais e publicações com perfil mais acadêmico.
Vamos então à lista dos 5 livros brasileiros que todo jornalista deveria ler?
Os Sertões (1902)
Em 1897, Euclides da Cunha (1866-1909) tornou-se correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no interior baiano, onde cobriu a Guerra de Canudos, conflito armado entre sertanejos liderados pelo religioso Antônio Conselheiro e o Exército. O jornalista esteve no front por poucas semanas, mas isso não o impediu de escrever o melhor e mais detalhado registro dos acontecimentos.
Com uma prosa ora artística, ora técnica, Os Sertões é um livro-reportagem que se destaca não apenas por acompanhar a luta de Conselheiro e seus seguidores, mas também a dura batalha dos homens contra a seca e a miséria no sertão. Um verdadeiro tratado antropológico e político de um Brasil que, de certo modo, continua existindo.

Os Sertões: como não incluir o clássico de Eclides da Cunha na lista dos 5 livros brasileiros que todo jornalista deveria ler?
A Alma Encantadora das Ruas (1908)
A crônica social brasileira não seria a mesma sem Paulo Barreto (1881-1921), conhecido pelo pseudônimo João do Rio. Este livro reúne textos publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907, na qual o jornalista percorre as ruas do Rio de Janeiro para reter a “cosmópolis num caleidoscópio”. Leves e bem-humoradas, as crônicas retratam a Cidade Maravilhosa em plena ebulição, enquanto se consolidava como a capital federal do Brasil.
Mesmo sendo gay, negro de pele clara e obeso, João do Rio não era lá muito benevolente em suas análises, chegando a tratar de forma pejorativa personagens de alguns grupos sociais que considerava “inferiores” Mas não cancele esse livro – afinal, ele foi escrito há mais de um século, em um Brasil muito mais reacionário e preconceituoso. Apesar desse porém, A Alma Encantadora das Ruas ganha o leitor por seus méritos jornalísticos e literários.
Rota 66: a História da Polícia que Mata (1992)
Muito antes de comandar jovens “focas” no Profissão Repórter – um dos melhores programas jornalísticos já feitos pela TV aberta –, Caco Barcellos fazia história com este livro-reportagem, no qual revelou o modus operandi do maior batalhão da Polícia Militar de São Paulo – a Rota, ou Rondas Ostensivas Tobias Aguiar.
Durante oito anos de um minucioso trabalho de investigação, Caco e sua equipe conseguiram identificar mais de 4,2 mil pessoas assassinadas por oficiais da PM, nomeando culpados e dando detalhes sobre os crimes, até então tidos como “inexplicáveis” pela corporação. Rota 66 virou minissérie e rendeu ao jornalista o prêmio Jabuti na categoria Reportagem, além de diversas ameaças de morte. Com certeza é um dos 5 livros brasileiros que todo jornalista deveria ler.
Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil Mortos no Maior Hospício do Brasil (2013)
Graças a uma política manicomial retrógrada, o Brasil viveu o seu próprio holocausto. Durante décadas, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG), conhecido como Colônia, era comum que pessoas consideradas “fora dos padrões” recebessem diagnóstico de doença mental – desde homossexuais a mulheres que haviam perdido a virgindade antes do casamento. Mais de 60 mil internos morreram e, para piorar a história, o hospital ainda lucrou com a venda dos corpos.
Em uma obra curta e objetiva, originada de uma série de reportagens para o jornal Tribuna de Minas, Daniela Arbex reconstrói essa história de horror e higienização social, dando voz a sobreviventes e ex-funcionários do Colônia. Eleito melhor livro-reportagem do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte, Holocausto Brasileiro virou documentário e ganhou adaptação para a TV.
Coleção Ditadura (2002-2016)
Uma lista com livros que todo jornalista deveria conhecer não pode ignorar os horrores da ditadura militar no Brasil. O problema é que já foram escritas muitas (e ótimas) obras sobre o tema. Por isso, em vez de apenas uma, a dica aqui é a série de livros escritos pelo veterano jornalista Elio Gaspari. São cinco: A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada, A Ditadura Encurralada e A Ditadura Acabada.
Não dá para negar que a coleção ditadura de Gaspari é um pouco problemática. Em determinadas passagens, Gaspari faz um “revisionismo” da ditadura militar, apresentando argumentos para responsabilizar a esquerda pelo golpe de 1964 e até trazendo uma visão simpática aos chamados “moderados” do regime. Apesar disso, o que pesa, no fim das contas, é o monumental trabalho de pesquisa – com direito à publicação de documentos inéditos – e o texto primoroso do jornalista.
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